quarta-feira, 21 de junho de 2017

Tríplice base
ou
Manifesto pela mutilação do sentido
ou
Porquê um pensamento infantil é mais sábio que um pensamento adulto
ou
A vida é bela
Carolina da Nova Cruz, janeiro de 2017.
Amelie
"A maturidade do homem é reaver a seriedade da criança ao brincar" - Nietzsche
Amelie Poulan encontra uma caixinha de lembranças escondida no assoalho de seu apartamento e decide, como que em uma brincadeira, que se essa caixinha afetasse o seu dono depois de tantos anos ela começaria a mudar a vida das pessoas.
Explico o porquê que essa decisão faz (pelo menos tanto sentido quanto) uma decisão chamada madura ou racional pelo homem ocidental.
Essa forma de vida aceita a incapacidade humana de saber se estamos acertando ou errando ao tomar uma decisão.
Essa forma de vida aceita o caos presente na vida, que homem moderno tenta, a todo tempo, reduzir à sua racionalidade.
Essa forma de vida brinca, com seriedade. Não nega a tragicidade do cotidiano, mas entrega-se a ela.
Essa forma de vida ironiza qualquer pretensão analítica (seja psicológica, científica, religiosa) abraçando o acaso como inerente à vida.
Essa forma de viver nada tem de utópica, idealista, ou imatura, como pode ser chamada por olhos pouco atentos. Ela representa uma tomada radical de posição em relação à ética de viver, posição essa extremamente sólida.
O que sustenta essa forma de viver recusa a meritocracia e qualquer noção de progresso.
Essa forma de apreender o mundo coloca lado a lado uma criança de três anos e um doutor em filosofia. A diferença é que o doutor em filosofia tem de trilhar um caminho árduo em busca da reconquista dos seus olhos infantis.

Tanque de guerra
O pai de a vida é bela dança um balé trágico com a vida, com a realidade dada.
Ele é extremamente sério ao inventar, ao escolher a vida.
Seriedade aqui nada tem a ver com rigor científico, moderno.
Seriedade tem a ver com abraçar sua responsabilidade de homem, e portanto de inventor de vida, diante da situação. Ao inventar (escolher) por seu filho, o pai escolhe pela humanidade e cria um mundo, cria o mundo, outro mundo.
Mundo possível diante da impossibilidade do mundo.
Um mundo onde a beleza está em primeiro plano.
Os encontros coincidentes que criam mágica por onde o pai passa mostram a potência de humanidade em um homem.
A potência de inventar mundo.
De criar encontros.
De fazer tudo isso por amor.
De fazer tudo isso por amor a uma criança.

Solidão na América Latina
Cem anos de solidão narra a potência caótica, mágica, estética, dos encontros
Encontros de mulheres com mulheres, com homens, com o clima, com a arquitetura.
A forma de narrar é realista e é mágica pois não procura outro lar para magia
Percebe que o lugar onde a magia mais se encaixa é na própria realidade, que o pensamento moderno viciou-se em contrapor com a magia
Nada é mais surreal que a realidade, nada é mais mágico do que a vida cotidiana na América Latina.
O narrador, em cem anos de solidão, é sensível a isso. Não procura causalidade, sentido. Mostra apenas. Mostra a beleza, a tragédia bela da vida. Mostra, como quem brinca de contar história, assim como Amelie e o pai parecem brincar de viver.

Eles reconquistaram a seriedade da criança ao brincar.
Retomaram o poder, por vezes escondido, de cada pessoa criar um mundo a cada dia.
É por isso que esse modo de vida nada tem de utópico, idealista ou pouco sofisticado.

Esse modo de vida se dá com a criança que brinca a cada manhã no sul do Brasil
Esse modo de vida se dá em algumas páginas da filosofia de um filósofo alemão do século passado
Esse modo de vida se dá nas esquinas do mundo, onde um artista pinta algo que imaginou.

E nada sustenta que esse modo de vida seja pior que qualquer outro.


Um comentário:

  1. O sentido é também amor.
    Pode-se amar a maneira pra qual o sentido dá as caras
    Aparece, desaparece
    Encanta, faz gozar
    Porque desejamos, ainda, fazer sentido
    Que ele não seja único, universal, dono da verdade,
    mas que possa encontrar um ritmo de aparição
    como um samba numa caixinha de lembranças.

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